quinta-feira, 31 de março de 2011

imitação da primavera

Como pude esquecer este dia? Faltava ainda um mês para fazer dezassete anos

terça-feira, 29 de março de 2011

rua dos remédios

Foi a primeira vez que vendi um trabalho para uma campanha de publicidade,

sexta-feira, 25 de março de 2011

quinta-feira, 24 de março de 2011

a travagem

Esta fotografia foi tirada numa sexta-feira, à saída duma fábrica de tecelagem.

quarta-feira, 23 de março de 2011

sexta-feira, 11 de março de 2011

as sebenteiras

Após uma carreira discreta a dar aulas no ensino secundário, o prof. Esteves Dias tomou de assalto o meio académico,

terça-feira, 8 de março de 2011

segunda-feira, 7 de março de 2011

a vespa e o saiote

Nápoles é uma cidade impossível de fotografar porque tudo merece ser fotografado.

sábado, 5 de março de 2011

o díptico

A Roménia é famosa pela negligência a que são votadas as suas crianças e idosos desfavorecidos. A segurança social desagregou-se com o fim da ditadura comunista mas há outro dado estatístico: é a população mais jovem da Europa. A minha estadia resumiu-se a uma semana em Bucareste, não sem que antes me tivesse apercebido de uma contradição: o carinho que os seus habitantes nutrem pelos sem-abrigo. Não é raro ver uma senhora vinda do mercado, abrir o saco das compras para oferecer uma peça de fruta ou um pacote de bolachas. Os idosos passam o dia encostados a uma parede a ler um livro de orações e sempre que recebem uma esmola aligeiram o peso das almas como recompensa. Juntamente com as igrejas, que abundam pela cidade, escondidas nas traseiras das grandes avenidas e artérias, esses reformados sem reforma são os intermediários vivos entre a religião e a crença. A fé da população é aferida pela sobrevivência daqueles que vivem na rua e as crianças perseguem os peões mais distraídos, aqueles que abdicaram da sua consciência e viram a cara para as montras. Este díptico reflecte essa dupla participação divina no quotidiano de miséria que pauta a vida da cidade. Na imagem do lado esquerdo podemos ver dois turistas a serem assediados por um bando de crianças na Calea Floreasca, uma rua que atravessa o centro da cidade e onde se concentra boa parte do seu comércio. Os miúdos puxam-lhes pela roupa, tentam enfiar as mãos nos seus bolsos ou simplesmente estendem-lhes as mãos abertas. Mas no momento em que disparei o turista de barba tentou libertar-se de uma criança que se tinha pendurado no seu braço e num gesto brusco empurrou-a para fora do passeio. O carro que vai a passar por pouco não a atropela. A imagem do lado direito passa-se na Calea Carol I, junto ao metro da Universidade. O cabo de electricidade desprendeu-se de um poste e ficou pendurado a menos de meio metro de altura do chão. Estas duas crianças divertem-se usando-o para saltar à corda. Por trás delas está um casal de namorados e tive sorte em ter apanhado a rapariga também suspensa no ar, no momento em que o namorado, bem mais alto do que o seu par, pegou nela e lhe deu um beijo. Mais à esquerda fica esta velhota acocorada junto à parede. Dir-se-ia que o carro da imagem da esquerda, depois de não ter acertado no miúdo empurrado para fora do passeio, acelera em direcção a ela, agarrada a um ícone como única defesa.

o beijo

O avião em que viajei para chegar a Grozny era de pequena fuselagem e fazia muito barulho lá dentro. Sentia os tímpanos obstruídos quando aterrei, nem a minha voz conseguia escutar. O percurso de carro fez-se em silêncio e como nevava fiquei com uma sensação de quietude, apesar do estado de destruição na cidade. A neve cobre os monumentos e as desgraças de igual maneira, à semelhança do creme de chantili que tanto barra um bolo magnífico como outro que ficou enqueijado. Os edifícios em ruínas ganham formas muito interessantes sob as camadas da neve. A arquitectura torna-se onírica, como se tivesse sido moldada por grutas. As construções não estão sujeitas às leis da geometria e a princípios de equilíbrio, antes parecem nacos de carne pendurados num talho de miudezas, pedaços de pão ratado, dentes cariados, aparas de queijo seco, cestinhas de requeijão, pastéis comidos pela metade com o recheio a sair para fora, fatias esmigalhadas de bolo com fruta cristalizada, bolos de arroz com o papel rasgado, suspiros, cavacas, etc. Comecei a escutar os primeiros sons ao entrar numa loja para me aquecer (sons ocos, depois rilhados). Num armário por trás da bancada reparei numas estatuetas de madeira: eram em forma de bustos, mas os rostos cujas faces eram muito bem delineadas e polidas estavam sem nariz, no seu lugar havia uma espécie de ranhura, como se o nariz tivesse sido esculpido não para fora da cara, mas para dentro. Outra particularidade eram as bocas, constituídas por lábios superiores exageradamente desenvolvidos e carnudos (se é que se pode utilizar esta palavra para uma estátua de madeira), enquanto o inferior nem existia (ou melhor, existia, mas ao contrário: eram lábios côncavos). A dona da loja ficou muito feliz por lhe ter comprado uma das estátuas (pela forma como lhe limpou o pó deduzi que era a primeira cliente) e só não me senti tentada a comprar mais uma por serem tão pesadas. Não me demorei muito tempo em Grozny, depois de me aperceber que estava a ser perseguida. O meu perseguidor andava enrolado num manto e por mais que os rufias que o seguiam a ele o empurrassem e lhe puxassem os braços ele não largava algo que tinha escondido por baixo do manto. Um dos tratantes passou-lhe uma rasteira, ele caiu desamparado, a estatueta que trazia escondida soltou-se e veio parar aos meus pés, deslizando pela superfície escorregadia do chão gelado. Pegou na estátua e estendeu-a na minha direcção. Afastei-me e acenei que não, julgando que queria vender-ma. Ele encostou o rosto de madeira na cara dele, enfiou o seu enorme nariz naquela espécie de ranhura e beijou a estatueta, encaixando o seu grosso lábio inferior na superfície côncava correspondente ao lábio. O pormenor mais comovente do beijo provocou a risada nos rapazes: a carícia na bochecha de madeira, pelos dedos amputados das falangetas.