segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

BLOOM [JP SIMÕES] Tremble Like a Flower

JP Simões foi enterrado vivo? num ano em que tanto se celebrou a morte, como foi possível matar uma celebração tão grandiosa como o seu último álbum? eu sei que o homem mudou de nome, mas... estamos assim tão distraídos? tão cruéis na vertigem de tudo enterrar? O tempo das flores foi cancelado pelo terrorismo?
há 20 anos, entrevistei o jp simões para o Público, ainda nem os Belle Chase tinham contrato com uma editora. nesse ano saiu Fossa Nova, que foi celebrado como o álbum do ano pela generalidade da crítica. era o início daquele que foi o grande escritor de canções português da década seguinte - e que até então eu só conhecia como o guitarrista dos Pop Dell'Arte. seguiram-se outros grandes momentos: Exílio (quinteto Tati), 1970, Roma... 20 anos depois jp simões, sob o heterónimo Bloom, recusou a decadência que ele próprio já tinha cantado, rejuvenesceu na meia idade, fez-se crisálida, e gravou o mais estonteante álbum da sua carreira: Tremble like a flower. e mais uma vez, sem editora! o disco é um puro acto de magia. quando o recebi em casa, fiquei acordado até às 7 da manhã, a ouvi-lo uma e outra vez e outra vez e outra vez. é o disco que me tem feito companhia neste outono, e a que volto, entre digressões a outras músicas. num ano ano que eu julgava estar totalmente submetido ao efeito Bruno Pernadas, Jp Simões, que certamente ouviu Pernadas com muita atenção (assim como ouviu Norberto Lobo, com quem de resto chegou a tocar), juntou-se a um jovem talento, Miguel Nicolau, e com Marco Franco na bateria e Carlos Bica no contrabaixo gravou um disco que tem uns arranjos que são das coisas mais aventurosas. é um festim pelos cenários da história da música, com tanto de descoberta como de revisitação na delicadeza, no pormenor, no gesto insinuante. Hey Georgie é o sempre renovado regresso às amizades distantes; You and I, I'll see you then ou Meeting time afloram em diferentes matizes os ciclos de encontros e despedidas, e são gestos de minúcia a procurar entender onde acaba e termina a amizade, a paixão, o arrebatamento, e como os sentimentos se sucedem como estações. e isso está na escrita, está na voz, está nas guitarras, acústicas ou eléctricas, está no estonteante delírio dos arranjos, quais estudos sonoros em profundidade de campo, em zonas oclusas, a fazerem lembrar um laboratório onírico em que se encontram os Mercury Rev, My Bloody Valentine, David Sylvian, Charles Stepney, Steve Nye, judy Henske e jerry Hester, Rosebud, Paul Simon, Nick Drake, Bowie, Velvet, Harold Budd, Biota (lembra-se dos mnemonistas?). as canções estão cinzeladas como formas de Brancusi, mas depois os arranjos, qual tempestade de electrões, apontam-lhes as formas voltejantes, e cada tema é uma coreografia área, de espaço escondido atrás de espaço escondido, como se fosse coisa de pássaros. o disco termina e o seu último estertor é uma bolha que infla e infla e depois de rebentar engole a sua própria explosão: falo de Jan Palach, a elegia pelo jovem que se incinerou a si mesmo, selando em chamas e cinzas a Primavera de Praga. Mas ninguém fala do disco! parece estar enterrado como em 69 a primavera foi enterrada pelos tanques soviéticos! E quem sobre o disco escreveu ouviu uma coisa que eu não ouvi, parece que ouviu outro disco! JP Simões foi enterrado antes de ter morrido?

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