quinta-feira, 13 de agosto de 2009

À esquerda, Dona Direita

A família de Domna P. comporta-se com ela um pouco à semelhança de como no antigamente se educavam as crianças: com modos bruscos e exaltados, procurando arrancar à força o que lhes resta da infância.
A doença de Domna Dreapta (Senhora Direita) é um mistério de regressão, com tanto de assustador como de fascinante: toneladas de memória cultural desaparecem progressivamente, abrindo caminho aos selvagens canais sensitivos que a educação durante anos drenara até à sua remoção (quase) completa.
Quando não está ausente, os olhos de Domna Di assemelham-se a um despertar: o reconhecimento de um pormenor é quanto basta para lhe aflorar um sorriso no rosto. Algo acabou de ser (re)descoberto.
Domna Direita vai à consulta e, a meio do exame, sorri para a “domna doctor” (és tu, não és?). O filho de Domna Dreapta recebe visitas em casa e ela sorri para uma das convidadas no jardim das traseiras, não porque reconhece a médica, mas porque usa um chapéu de pano branco semelhante ao seu.
Sempre que Domna Dreapta sai de casa, no rés-do-chão, irremediavelmente vira à direita, na direcção das escadarias do prédio. Então, a sua acompanhante, segura-a pelo braço e puxa-a na direcção contrária, onde fica a porta da rua: “La stînga” (à esquerda).
No Verão passado, Domna Dreapta acompanhou a nora à Gare de Nord (a estação de comboios de longo curso em Bucareste). Quando já se encontrava na fila para a bilheteira, ligou ao marido a propósito de horários. A meio da conversa sobre que bilhetes comprar ela disse: “A tua mãe desapareceu”.
O filho de Domna Dreapta partiu imediatamente para a estação, enquanto a mulher virou à direita e entrou no cais de embarque, onde se perfilam mais de uma dezena de linhas que partem em todas as direcções do país. Comboios a partirem e a chegarem, pessoas a entrarem e a saírem, ocorreu-lhe que se Domna Dreapta entrasse para uma das carruagens arriscava-se a nunca mais encontrá-la.
Correu para o gabinete de segurança e pediu para anunciarem o seu nome através do sistema de altifalantes. E se ela não se lembrasse do seu próprio nome? Pediram-lhe uma descrição física… usava um chapéu branco! Nesse instante, a porta do gabinete abriu-se e o vidro reflectiu um vulto a passar, de chapéu branco. A nora virou-se, mas já não viu ninguém através da janela que dava para a rua.
Domna Dreapta estava sentada no banco de trás de um carro particular, quando foi encontrada. O dono do carro, que tinha acabado de arrumar as malas na bagageira, estava tão confuso quanto ela, e não soube explicar como é que ela tinha ali aparecido. A única conclusão para esta história é que, por uma vez, Domna P. não virou à direita. Saiu pela esquerda e foi parar à rua.

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