Procuro amigos. Não posso estar o dia todo
a teus pés, a ler-te jornais.
O barco não tem telefone. O telégrafo Morse
está reservado tal como a última bala no cano.
Para ti. Procuro amigos. Aborreço-me.
Bato à porta de Vito Santangelo. Dorme.
Está doente, após vinte anos de peregrinação
pela Sicília, cantando de aldeia em aldeia, empoleirado
no seu carro, as notícias dos jornais
adaptadas em canções e histórias. Contador de histórias ambulante,
dramaturgo e jornalista como eu, mais cinco ou seis
trabalham como ele na Sicília, quis-me
pendurar a eles, contar histórias como eles,
de aldeia em aldeia, mas não me deixaram,
todas as minhas histórias são histórias de amor –
ele apercebeu-se, tu não – o amor
entre um homem e uma mulher não lhes interessa.
Sicilianos! Proletaristas!* Sectários! Deixa-o
dormir, o meu amigo está cansado – digo a mim mesmo e sigo
para a coberta, mais tarde para a cabine de Claude,
Claude Raymond Dityvon, outro obscuro, sabes lá
quem é o Claude, fotógrafo da Viva, agência
de fotografia para a qual tudo é acontecimento,
um gato a passar entre casas numa aldeia,
o pavor de um emigrante, o isolamento duma quinta,
tudo, tudo, tudo o que é não-acontecimento é acontecimento,
tudo o que é não-irlandêz-cipriota-vietnamita é
tão dramático como a crise energética,
Claude não me abre a porta, revela, amplifica
a cabeça duma avestruz escondida na areia – fala-me através da porta
– nunca se revelou o que vê uma avestruz
no grão de areia em que escondeu
o seu olhar apavorado, ela vê ali os castelos
de Barnabé,
exactamente o mesmo que nós, os não-acontecimentalistas,
em cada demencial canto de rua mesmo à frente dos olhos,
dou mais alguns passos na coberta, uma onda leva-me
até à porta do sueco que ganhou o prémio Nobel,
poeta que começou como eu, o não-nobelizado,
o ignóbil, com Whitman, Maiakovski e Edgar Lee Masters.
Quero rojar-me aos pés de Edgar Lee –
não me abre a porta, dorme, bebeu como um sueco qualquer,
diz-me alumbrado pelo sono. Deixo-lhe por baixo da porta uma
mensagem que escrevi no bolso com a mão direita,
enquanto te acariciava com a esquerda – técnica importada
de um biógrafo de Tolstoi que desta maneira apanhou
o velho, escrevendo num cartão que tinha no bolso tudo
o que dizia o profeta –
escrevi ao sueco, sem que tu soubesses, “amigo, trata-se
do antigo lager nazi, transformado em museu,
com hotel, parque de estacionamento e bar –
por razões económicas tem de ser encerrada
a sala em que os carris dos vagões
para o transporte de cadáveres paravam mesmo
à frente dos fornos”. Foi isto que escrevi, enquanto te
acariciava.
Perdoa-me. Volto a ti de joelhos.
RADU COSASHU, 1973, Poveshti pentru a-mi îmblînzi iubita (Histórias para domesticar a minha amada)
* No original: Proletcultishtii, de proletcultísm (do russo proletkul’tovetz), corrente surgida com a revolução soviética, cujos princípios estéticos se reduzem à criação duma cultura do proletariado.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
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Cosachu e' verdade ou foste tu q escreveste a mentira?
ResponderEliminara verdade eh uma mentira... mas radu cosashu (escreve-se cosasu, o segundo s com cedilha, que se le sh) existe, e ainda esta vivo, e escreve cronicas semanais em dois jornais...
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