Os burros abundam neste país. Tal como os camponeses, de resto. Apesar de tudo, há mais cavalos do que burros. Em Jurilovca, uma vila de pescadores à beira do lago Dolovitza (na província de Dobrogea, a sul do Delta do Danúbio), encontrei um burro mais deagraçado que o Balthazar de Bresson. Uma corda, a fazer de arreio, esgaçara-lhe o pêlo e tinha o cachaço em carne viva. A exposição ao sol e à humidade dera origem a uma película lanígera cor de avelã, que lhe cobria parcialmente o dorso em jeito de capote e a cabeça em forma de gorro. A tristeza do mundo num olhar. Aproximei-me dele. Deu um passo trôpego e encurtou a distância. Quando a miséria é tanta nunca temas um estranho. Zurrou três vezes antes do barco partir. Cinco dias depois voltei a Jurilovca. Estava no mesmo lugar, preso ao muro, onde se amparava, à procura de sombra. De regresso a Bucareste cruzei-me com outros burros, a puxarem carroças. Vêm-se muitos cavalos a pastar livremente, nos vales e planícies desta terra, mas nunca vi um burro à solta, pensei. Ao fim da tarde, avistei um, numa pastagem. Agitado, caminhava em círculos, reduzia a marcha e arrancava para um novo círculo.
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Ser livre requer mesmo sapiência. Gostei tanto deste texto!
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