quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Pseudopolaróides

O meu amigo Nuno escreveu: “Um senão: Seria interessante colocares uma fotografia ou outra.”
O meu amigo Jorge escreveu: Devias ir lá pondo umas imagens, um dia destes, quer-me parecer.”
Seguem-se algumas polaróides que tirei durante os cinco dias em que estive de férias em Portitza (Portinha), Grindul Cosha, uma linha de costa que fica entre o complexo de lagoas e lagunas do Delta do Danúbio e o Mar Negro:

Homem de bigode, óculos e chapéu, com a pila a espreitar sob a bainha da camisa. Nas mãos segura um livro. Os pés estão no mar.

Rapaz, perseguido por uma matilha de cães, salta da sua bicicleta (que abandona às bestas) e, no mesmo movimento, pula a cerca do restaurante.

Mulher nua fuma cigarro no mar com as mamas a boiarem à superfície da água.

Família joga às cartas na praia, debaixo de um toldo tapado por um mosquiteiro.

Pescador, num dos canais do lago Golovitza, usa rato do campo como isco. O rato sabe nadar e não mergulha.

Menina pendurada no ramo duma árvore, com a cabeça para baixo, conversa com amiga, de pé, no chão (o cone que tem na cabeça é um efeito do vento; é apenas um lenço).

Casal joga ténis em court sem rede protectora; o cão apanha as bolas.

Nuvem de mosquitos ao pôr-do-sol, em frente aos balneários Ignoramos se os veraneantes cobertos com toalhas de praia buscam refúgio nas retretes, ou pretendem tomar duche.

Garrafas de cerveja enterradas na areia, junto à linha de rebentação (visíveis pelas caricas).

Corvo-marinho (Phalacrocorax carbo) na praia, abre as suas imponentes asas negras na direcção do mar e vira a cabeça para o lado, oferecendo o perfil do seu bico à jovem fotógrafa que se encontra por trás.

Família arruma a bagagem no atrelado do tractor que os levará à praia, para montarem a tenda.

Nadador agita as mãos à superfície das águas turvas do Mar Negro, depois de ser surpreendido por uma medusa.

Os jovens empregados do (único) restaurante de Portitza riem-se de um casal de clientes, sentado debaixo de um salgueiro-chorão (que depois do fim de tarde começa a pingar dos seus ramos umas gordas gotas cor-de-sangue-seco).

Pescadores amanham o peixe, que apanharam de manhã, junto à linha de rebentação. Os buracos na areia (de onde sai o fumo, à frente das tendas) servem de braseiros para os grelhados.

Casal de nudistas na praia constrói esculturas de calhaus empilhados. Na posição de cócoras, a genitália de ambos os sexos, quando o sol aquece e os músculos descontraem, tem o charme de tudo quanto vive pendurado (abana, mas não cai), por oposição à fileira de calhaus empilhados, num equilíbrio provisório (tem-te-não-caias), até à próxima rabanada de vento.

Homem toma duche na praia, junto à sua tenda, ao anoitecer. No saco preto pendurado por cima dele, de onde escorre a água, pode ler-se “solar system shower”. O dispositivo consiste em encher pela manhã o saco de água, que aquece depois durante as horas de sol.

Coro de mulheres Lipovani (descendentes duma seita da velha ortodoxia russa que no séc. XVIII se instalou no Delta do Danúbio) dança na praia de Portitza em frente a uma fogueira. O espectáculo tem o seu quê de disputa: metade do público rodeia as mulheres Lipovani; a outra metade circunda a fogueira; os poucos que se posicionaram ao meio, aproveitam para aquecer os traseiros (estava uma noite fria). Por trás, às escuras, as ondas são ignoradas.

Pormenor do areal da praia de Portitza, que consiste maioritariamente em conchas, búzios e caracóis-do-mar, ainda num estado primário de decomposição.

Pôr-do-sol no lago Golovitza, sobre uma cortina cinzenta que paira nos montes de Dobrogea; a pseudopolaróide ao lado serve de díptico, e alcança na direcção do lago Razim: uma linha de luz, tão vermelha como a do sol, atravessa uma colina, sob uma nuvem de fumo.

Três veraneantes, numa gaivota a pedais, pescam num canal. A curiosidade reside no facto das canas de pesca apontarem na direcção do canavial. As margens do canal estão cobertas de pequenos nenúfares em flor. Camuflados entre as folhas, os sapos assistem, em sorrateiro silêncio.

1 comentário:

  1. "Poetry, probably more than any other art form, can capture the specialness of the moment, especially the little moments that would otherwise go unnoticed and unseen."
    (Robert Fritz- "The Path of Least Resistance"

    Com um beijo saudoso,
    Vânia

    ResponderEliminar