quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Entre duas mortes

Numa bela noite de primavera em quarenta e quatro,
em plena guerra, matou-a.
Ele tinha 50 anos, ela 32.
Desconfiava que andava a enganá-lo.
E temia que fugisse com o outro.
Tais pensamentos tornaram-se insuportáveis.
Já tinha 50 anos. Encarquilhava.
Matou-a numa noite de primavera
em quarenta e quatro, com um martelo.
Escondeu o cadáver no quintal, no canteiro das alfaces.
Dois metros debaixo da terra.
Numa noite de Maio.
A policia de Nantes anunciou que a esposa
desapareceu de casa. Com um oficial alemão.
A polícia procurou-a, tanto quanto se podia procurar em quarenta e quatro
uma mulher fugida com um oficial alemão.
Onde é que se encontra uma mulher fugida de casa
com um oficial aposentado?
Não a encontraram. A guerra estava no auge.
Havia dramas mais importantes. Os da humanidade.
Veio a paz. Voltou a casar-se. Com uma viúva de guerra.
Manteve-se na sua terra, em sua casa,
com quintal, perto de Nantes, no bairro Rézé, às portas da cidade de quem vem do sul.
Passaram-se anos. Deu-se a bomba atómica.
Foi descoberta a penicilina. Novos modelos de frigoríficos.
Novos fertilizantes químicos. O tratamento com vitaminas.
O nevrostenin. Novas ideias filosóficas.
Chegou-se à Lua. Floresceram biliões de flores.
Caíram biliões de toneladas de neve.
Biliões de metros cúbicos de chuva. Criou-se trigo.
Milho. Nabiças. Luzerna. Trevo. Trinitrotolueno.
Escreveram-se milhões de histórias. Biliões de poemas.
Passaram-se trinta anos, menos um.
Ele chegou aos 80 anos. Envelheceu bastante.
Já não lhe restava muito tempo.
Numa noite de Maio de ’73 telefonou
à polícia.
A polícia veio a casa dele. Conduziu-os ao quintal.
Era primavera. Fê-los cavarem
e descobriram-na, dois metros debaixo da terra.
Nenhum diário no mundo revelou o seu nome.
Um correspondente local
passou a notícia a Paris.
A mulher chamava-se Marguerite.
Era só o que era preciso, para a informação ter um rosto.

RADU COSASHU

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