quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

na maternidade

Jaime Roque, dois quilos e tal de tripas e ossos, nasceu esta madrugada no serviço de maternidade do hospital pediátrico, em Calem. Pesa uma vergonha de 2043 gramas, distribuídas por uns razoáveis 43 centímetros e, na opinião da brava parturiente sua mãe, é provido de uma “linda cabeça” de aspecto escalpelizado, uma vez que nem trazia um cabelo para mostra. De cor violácea e pele coberta por uma densa rede de veias roxas e azul esverdeadas, a gordura encontra-se quase totalmente alojada na boca, no nariz, nas pálpebras, nos zigomas e numas orelhas cujos lóbulos são mais rechonchudos do que o seu rabo desprovido de nádegas. Vítima de parto natural, parece ter sido atropelado, espremido, torcido, espalmado para caber dentro de um envelope, mandado contra a parede e por fim sugado através do gargalo de uma garrafa de anis (quiçá protegido por um capacete, uma vez que a sua cabeça é uma coisa linda de ser vista). Depois de ter sido pesado, medido e limpo de mucosidades, Jaime Roque deu alvíssaras ao mundo dos terráqueos, não com um berro nem com uma gargalhada, mas com um pum silencioso e traiçoeiro que desfaleceu o ânimo na competente se bem que surpreendida equipa médica e provocou uma rápida evacuação da sala (a mãe fez um sorriso amarelo e tombou a cabeça para o lado). Depois de assistir ao parto, o pai aproveitou para fugir e refugiar-se nos sanitários, onde mal teve tempo de baixar as calças. Chegou-lhe uma diarreia tão vulcânica que findo o serviço viu-se com as nádegas sarapintadas de gotículas amarelas (felizmente, havia bidé). De regresso à sala de parto, já lá se encontravam os avós e tios a granel. Um furo no serviço de segurança tinha permitido a entrada da família por inteiro, rodeando a mãe e o filho numa desopilada celebração das qualidades fisionómicas do neófito, imediatamente identificadas e acto contínuo inventariadas, de acordo com a ascendência, o cruzamento de linhas de mãe para filho, de avô para neto, de tia para sobrinho por via de uma efeminada tradução da herança do pai, de avó para neto por via do seu pai que era sobrinho de um tio cuja mãe era igualmente uma beldade em pequenina. Mas eis que a parte interessada, o crianço espontaneamente adorado, decidiu contribuir com um suplemento de sua graça libertando um sumido mas inequivocamente sonoro “pô”, adormecendo logo a seguir. Espantada por um tão precoce talento para a expressão silábica, a família evacuou a sala. “É de gancho”, congratulou-se a tia, entre sorrisos, lágrimas e caretas bem impressionadas. O avô, muito sério, cofiou o bigode, ajeitou a gravata e comentou com a irmã: “Qual pô nem meio pô, o que ele disse foi porra!”

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