sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

o pesadelo

Joana e Jaime acordaram esta manhã exactamente à mesma hora (5h50). Encontrando-se deitados nas suas camas, com as cabeças enterradas nas almofadas, o estado de pavor em que se encontravam agravou-se ao depararem um com o outro. “O mano está a churar”, dizia a Joana e chorava. “A mana está a churar”, dizia Jaime, que chorava também. Convidada a explicar-se, Joana ergueu a cabeça do travesseiro, contemplou o irmão e voltou a afundar a cabeça na almofada. “Ele moreeu e está a churar.” E está a chorar porquê, chorona irmã? “Porque moreeu.” Escuta lá, ó mariconço, lá porque moreeste isso é razão para chorar? Moreeste, paciência. “Nããão”, resmungou o Jaime, “a mana muureu, eu empurei-a no escuro e agora ela está muuito muurida.” Jaime ergueu a cabeça do travesseiro, contemplou a irmã (cabeça afundada na almofada), afastou as lágrimas dos olhos, sentou-se na cama, engoliu o choro, deu um soluço e continuou a chorar. A irmã olhou para ele e soluçou também. “Não moreeste?”, perguntou-lhe Joana. “Nããão”, resmungou o Jaime. “Tu muureste e disseste que eu tenho de fazer de conta que estás viva.” E o Jaime, quem é que faz de conta que o Jaime está vivo? “Ninguém porque eu empurei a Joana no escuro e tenho de ser eu a fazer de conta.” É verdade o que o teu irmão está a dizer Joana, já não podes fazer de conta que és a Joana? “Nããão, só posso fazer de Jaime, ele moreeu e já não vem mais.” Fica o assunto resolvido: O Jaime faz de conta que a Joana está viva e a Joana faz de conta que o Jaime está vivo. Está bom assim? “Nããão”, respondeu a Joana e voltou a chorar. “O Jaime não pode fazer de conta porque moreeu”. Mas olha que ele diz que consegue fazer de conta. Joana levantou-se da cama e olhou para o irmão, ainda assustada pela sua presença. “Verdade, fazes mesmo?” O irmão enfrentou-a, ainda a medo, empurrou a almofada para o chão, pôs os pés em cima da almofada e respondeu-lhe: “Sim.” Joana voltou a deitar-se, olhou para o tecto, depois olhou para debaixo da cama do irmão e suspirou. “E se eu não saber fazer de conta? Eu quero fazer de conta que sou a Joana.” Jaime enfiou a cabeça entre os joelhos e rolou de volta ao centro da cama. “A Joana está matada. Eu faço de conta que a Joana está viva e a Joana aparece e eu fico no escuro.” Os estores da janela abriram-se, uma luz rosada entrou no quarto e devorou a sombra dos irmãos, projectada pelo candeeiro da mesa de cabeceira, ao lado do qual se encontrava um cavalo, montado por um guerreiro empunhando uma lança. Jaime voltou a adormecer na cama, sob a mão que a mãe lhe impôs na nuca, e Joana agarrou-se ao pescoço do pai, temendo regressar a um sono onde provavelmente reencontraria o irmão sem vida.

Sem comentários:

Enviar um comentário