Após uma carreira discreta a dar aulas no ensino secundário, o prof. Esteves Dias tomou de assalto o meio académico,
assombrado com a inovação do seu trabalho. Durante 20 anos não conseguiu fixar-se numa só escola e assim foi conhecendo os diversos problemas e realidades do ensino no país. Os dois livros que publicou ao mesmo tempo tinham dois temas distintos, mas juntos arrasavam com o sistema de educação em vigência. O primeiro chamava-se “Expressão de Contentamento”, e destinava-se aos alunos, enquanto o segundo, “Fronteiras perceptivas”, era um método pedagógico destinado aos docentes. Conheci-o pessoalmente durante o primeiro ano em que ele leccionou uma cadeira criada para ele num departamento de história da Universidade de Évora, que se chamava “Imagética da intimidade na aprendizagem”. Para veicular um saber, ele propunha que o docente tinha primeiro de ajudar os alunos a organizarem a sua experiência íntima, através da construção permanente de uma autobiografia. As diversas disciplinas que lhes eram leccionadas passavam a ser contingentes, o aluno refazia e corrigia a sua autobiografia de acordo com a interpretação das matérias, segundo modelos importados da tradução de línguas. A questão da linguagem passava a ser determinante: uma palavra, ou um conceito, era aceite como um facto, e depois traduzido pelo próprio aluno, que recorria a um processo de associações relativas à sua experiência pessoal. O aluno agregava novas informações que vinham fortalecer a sua individualidade, e não pô-la em causa. Daí a importância das percepções: o aluno não era confrontado com o erro em si, mas com o ângulo desajustado que impedia a compatibilização da sua intimidade com o conhecimento universal. Esteves Dias explicou-me que o seu trabalho inspirou-se na irritação que tinha com as sebenteiras, que nunca percebiam nada mas tiravam apontamentos de tudo. “Boicotavam o diálogo e com ele a atenção crítica dos restantes alunos”. Fotografei-o numa sala de aula vazia, enquanto contava como é que acabou com as sebenteiras nas aulas. “Sempre que lhes escapava uma frase, em vez de me pedirem para explicar, pediam para repetir, como se eu fosse uma gravação que elas tinham de transcrever. Houve um dia em que expulsei todos os alunos que apanhei a tomar notas. O conhecimento ou se guarda na cabeça ou resume-se ao tráfico de papel.” A eloquência do braço estendido na direcção da porta, a fúria com que ataca a câmara (comigo sentada na carteira) e os perdigotos que lhe saltam da boca mostra o quanto as sebenteiras ainda se encontram bem vivas na sua memória.
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