Nápoles é uma cidade impossível de fotografar porque tudo merece ser fotografado.
Uma nesga de parede, de onde um cartaz foi arrancado para dar a ver diversas camadas de sujidade estratificada, acumula resíduos de poeira com uma tal concentração de formas, que dir-se-ia estarmos perante um labirinto de sombras em filigrana, onde uma minúscula tacha de luz ficou pregada, para nunca mais conseguir libertar-se. Quando me apercebi deste facto tive de aceitar que estava a ser iludida pela dimensão abismal do espaço, que me deixava sem parâmetros para definir questões básicas como escala, perspectiva e enquadramento. Guardei a máquina e decidi que não iria trabalhar durante a estadia. Na véspera da minha partida, uma tempestade caiu sobre a cidade, provocando inundações e o aluimento de prédios velhos. Em alguns bairros houve mesmo pessoas que morreram. O caso mais dramático foi o de um homem que ficou preso dentro de casa. O nível das águas subiu e ele não conseguiu fugir, as janelas estavam protegidas por barras de segurança. No dia seguinte, à semelhança do que já vinha acontecendo desde a minha chegada, mas agora com a agravante do cansaço provocado pela tempestade que me impediu de dormir e que tinha deixado as ruas cobertas de lama e de lençóis de água, os acontecimentos sucediam-se à minha volta sem conseguir isolá-los. A vivacidade das pessoas parecia-me uma algazarra de espectros e a luz que passava nos intervalos das nuvens deixava-me num estado semelhante a uma ressaca. Depois de abandonar o hotel, passei por uma rua onde se acumulava uma multidão nas compras da manhã, rodopiando pelas bancas de vendedores ambulantes. As scooters serpenteavam pelas pessoas a uma velocidade estonteante e ninguém fugia da frente, eram os motociclistas que se desviavam aos ziguezagues. Tirei a única fotografia em Nápoles nesse momento, julgando que era apenas um registo de despedida do meu estado de confusão. Mais tarde, quando fiz a revelação, confirmei que fui roubada nesse mesmo instante. O rapaz que vai sentado atrás do condutor da Vespa segura na mão direita a minha sacola (onde estavam os meus documentos e o dinheiro) que tinha posto em cima da mochila. A menina que atravessa a rua, e cujo saco das compras tapa a matrícula, teria sido atropelada se fosse a correr mais depressa. Esta senhora, do lado direito, parece ter-se apercebido do assalto, uma vez que olha na direcção da Vespa e estende o braço para trás, num gesto aparentemente defensivo. Mas se repararmos melhor, ela leva a mão ao rabo para alisar a saia, porque se apercebeu que do outro lado da rua, como se nota aqui do lado esquerdo, vai a passar uma mulher que tem a ponta da saia presa à cintura, deixando à mostra o saiote.
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