Esta fotografia foi tirada era eu estagiária no jornal
e resulta de uma encomenda de trabalho sobre um bairro ilegal nos subúrbios de Lisboa, numa altura em que já tinha sido anunciada a sua destruição e as primeiras pessoas começavam a ser reinstaladas. Lembro-me claramente que foi num sábado, no início do Verão ou no fim da Primavera, porque de manhã tinha ido ao casamento de uma amiga na Cova da Piedade. Assim que ela entrou na igreja, de braço dado com o pai, o noivo começou a chorar. Quando lhe deu a mão em frente ao altar tinha o rosto banhado em lágrimas. À tarde, de volta ao trabalho, não conseguia libertar-me dessa imagem e lamentei não ter podido assistir ao resto da boda, para poder observar o noivo durante a sessão de fotografias com os convidados e ficar a conhecê-lo um pouco melhor. Quando cheguei à Pedreira dos Húngaros fiquei à entrada do bairro, de frente para um alinhamento de barracas que pareciam estar de costas para o exterior. Comecei a escutar gritos que vinham de dentro de uma dessa barracas, depois os gritos saíram para a rua e por fim apareceu nas traseiras um jovem, que era perseguido por uma rapariga. “Porque é que me bates?”, gritava-lhe ela e ele só lhe respondia “deixa-me, larga-me”. Ela atrás dele, procurando agarrá-lo, e ele a tentar libertar-se. Sempre que ela se punha à frente, ele virava-se para o lado oposto e tentava fugir. Ela a agarrá-lo, a tentar pôr-se à frente e ele virando-lhe as costas, dando safanões para se libertar. “Eu gosto tanto de ti e tu só me bates”, insistia ela aos berros. “Deixa-me, deixa-me”, respondia ele. Por fim empurrou-a e ela caiu para trás. Ele aproximou-se e ela segurou-o pelas pernas. Ele voltou a libertar-se com um safanão e quando ela se levantou ele voltou a virar-lhe as costas. Ela chorava, pedia para não lhe bater e agarrou-lhe na fralda da camisa. Foi nesse momento que disparei. Com o impulso do movimento em frente do corpo dele e o puxão dela, a camisa fica esticada, deixando-lhe as costas à mostra. Apesar do desespero contido no gesto dela, tem qualquer coisa de familiar com as damas de honor que seguram a cauda do vestido de noiva, para não arrastar pelo chão. Outra curiosidade é os braços dele, erguidos ao alto, como se estivesse a render-se a alguém que está à sua frente, fora do enquadramento. O cão que está deitado atrás do casal, com o focinho a apontar na direcção do canto superior direito da imagem, serve de contraponto. As suas orelhas enormes esvoaçam ao vento. Quanto às manchas por cima da fotografia, julgo serem dentes-de-leão. Estava sentada num plano inferior e as ervas desfocadas à frente da câmara criaram este efeito muito bonito de véu.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário