José Eduardo Agualusa (Huambo, 1960), estudante de agronomia e sivicultura, nove romances publicados, três recolhas de contos, três livros para crianças, traduzido numa vintena de línguas, alguns prémios certamente, veste as calças de escritores mortos para “refletir”
sobre “os dias que correm”. As calças ficam-lhe grandes.
“O lugar do morto” (ed. Tinta da China) reúne uma série de 25 crónicas originalmente publicadas na revista Ler. “O pénis de Hillary”, o texto de humor
que escreve em nome de Nabokov, começa assim: “Não há grande diferença entre a
Suiça e o Paraíso. O silêncio é o mesmo, bem como o ar estirilizado e o tédio
infinito”. Este registo de Lerda Anedota Flácida (LAF), termina o primeiro parágrafo:
“Anjos já são uma horrível dissonância, lamentáveis lepidópteros desajeitados.
Coloquem-lhes agora uma harpa nas mãos – imaginam pior?” (LAF) “Sim, há pior”,
responde no segundo parágrafo, “ bandos de anjos a tocar harpa” (LAF). Terceiro
parágrafo: “Os anjos não têm sexo – é oficial: procurei e não vi.” (LAF) “Imaginem
anjos e sexo. Estão a imaginar?” (LAF)
Passemos
para JEA a fazer de conta que é Camilo num pitching de marketing: “Fui – posso
orgulhar-me disso – o primeiro escritor português a viver em exclusivo da
literatura. Ao suicidar-me, em 1890, cego, aborrecido com a vida, deixei-vos
para cima de duzentos e sessenta títulos, entre romances, novelas e peças de
teatro. Em 1862, por exemplo, escrevi o Amor de Perdição, Memórias do Cárcere e Coração, Cabeça e Estômago, além de outros quatro títulos menos conhecidos.”
Estamos
em Jerusalém. Aquele senhor … perdão, “o escritor escreve para ver, e para dar
a ver, não para ser visto”… aquela senhora não é o JEA, é a Sophia de Mello
Breyner, a lembrar-se de quando conheceu o “jovem Mia, numa varanda larga,
inclinava-se a tarde sobre um vago perfume de rosas”. Sophia escreve da terra
dos mortos sobre o último livro de Mia Couto e chega à conclusão que “Mia Couto
cresceu”. “Crescer é duvidar. É ousar a dúvida. Dói, às vezes dói, e este é um
livro sofrido, de uma tristeza sem remédio”.
Voamos
para a página seguinte e para a pergunta “O que lêem as mulheres bonitas?”
Mascarado de Saint-Exupéry, JEA ensina o ofício de escritor ao jovem aprendiz
que afinal não quer ser lido por mulheres bonitas: “Você pode não querer
impressionar uma mulher bonita, mas tenho a certeza de que vai querer impressionar
os críticos homossexuais.”
De
tanto pôr e tirar máscaras, JEA confunde-se. Disfarçado de Clarice Lispector,
na pg. 113 sai-lhe o mesmo “vago perfume” de Sophia Mello Breyner na pg 101.
O
pitching consiste numa apresentação breve e sucinta de um produto comercial e é
o maior talento que JEA exibe em “O lugar do morto”. As crónicas, no seu
melhor, são informativas (veja-se o entusiasmo com que repete a história da
origem da palavra “mulato”, primeiro sob a máscara de Jorge Amado, e depois de
Padre António Vieira).
A dificuldade de JEA, a partir da informação recolhida, em conseguir erguer uma característica que seja das personagens que pretende animar, é tão enternecedora como aqueles miúdos no Carnaval que usam uma caraça presa à cabeça com um elástico, gritam au-au, alçam a perna contra a parede e depois são tratadas não como um cão, mas como uma criança sem piada.
A dificuldade de JEA, a partir da informação recolhida, em conseguir erguer uma característica que seja das personagens que pretende animar, é tão enternecedora como aqueles miúdos no Carnaval que usam uma caraça presa à cabeça com um elástico, gritam au-au, alçam a perna contra a parede e depois são tratadas não como um cão, mas como uma criança sem piada.
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