quinta-feira, 4 de outubro de 2012

José Eduardo Agualusa: o lugar do morto


Agualusa veste as calças de 25 grandes escritores, mas precisa de mandar fazer bainhas.
José Eduardo Agualusa (Huambo, 1960), estudante de agronomia e sivicultura, nove romances publicados, três recolhas de contos, três livros para crianças, traduzido numa vintena de línguas, alguns prémios certamente, veste as calças de escritores mortos para “refletir” sobre “os dias que correm”. As calças ficam-lhe grandes.
“O lugar do morto” (ed. Tinta da China) reúne uma série de 25 crónicas originalmente publicadas na revista Ler. “O pénis de Hillary”, o texto de humor que escreve em nome de Nabokov, começa assim: “Não há grande diferença entre a Suiça e o Paraíso. O silêncio é o mesmo, bem como o ar estirilizado e o tédio infinito”. Este registo de Lerda Anedota Flácida (LAF), termina o primeiro parágrafo: “Anjos já são uma horrível dissonância, lamentáveis lepidópteros desajeitados. Coloquem-lhes agora uma harpa nas mãos – imaginam pior?” (LAF) “Sim, há pior”, responde no segundo parágrafo, “ bandos de anjos a tocar harpa” (LAF). Terceiro parágrafo: “Os anjos não têm sexo – é oficial: procurei e não vi.” (LAF) “Imaginem anjos e sexo. Estão a imaginar?” (LAF)
Passemos para JEA a fazer de conta que é Camilo num pitching de marketing: “Fui – posso orgulhar-me disso – o primeiro escritor português a viver em exclusivo da literatura. Ao suicidar-me, em 1890, cego, aborrecido com a vida, deixei-vos para cima de duzentos e sessenta títulos, entre romances, novelas e peças de teatro. Em 1862, por exemplo, escrevi o Amor de Perdição, Memórias do Cárcere e Coração, Cabeça e Estômago, além de outros quatro títulos menos conhecidos.”
Estamos em Jerusalém. Aquele senhor … perdão, “o escritor escreve para ver, e para dar a ver, não para ser visto”… aquela senhora não é o JEA, é a Sophia de Mello Breyner, a lembrar-se de quando conheceu o “jovem Mia, numa varanda larga, inclinava-se a tarde sobre um vago perfume de rosas”. Sophia escreve da terra dos mortos sobre o último livro de Mia Couto e chega à conclusão que “Mia Couto cresceu”. “Crescer é duvidar. É ousar a dúvida. Dói, às vezes dói, e este é um livro sofrido, de uma tristeza sem remédio”.
Voamos para a página seguinte e para a pergunta “O que lêem as mulheres bonitas?” Mascarado de Saint-Exupéry, JEA ensina o ofício de escritor ao jovem aprendiz que afinal não quer ser lido por mulheres bonitas: “Você pode não querer impressionar uma mulher bonita, mas tenho a certeza de que vai querer impressionar os críticos homossexuais.”
De tanto pôr e tirar máscaras, JEA confunde-se. Disfarçado de Clarice Lispector, na pg. 113 sai-lhe o mesmo “vago perfume” de Sophia Mello Breyner na pg 101.
O pitching consiste numa apresentação breve e sucinta de um produto comercial e é o maior talento que JEA exibe em “O lugar do morto”. As crónicas, no seu melhor, são informativas (veja-se o entusiasmo com que repete a história da origem da palavra “mulato”, primeiro sob a máscara de Jorge Amado, e depois de Padre António Vieira). 
A dificuldade de JEA, a partir da informação recolhida, em conseguir erguer uma característica que seja das personagens que pretende animar, é tão enternecedora como aqueles miúdos no Carnaval que usam uma caraça presa à cabeça com um elástico, gritam au-au, alçam a perna contra a parede e depois são tratadas não como um cão, mas como uma criança sem piada. 

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