O trabalho de Pascal Bruckner (Paris, 1948) oscila entre reflectir
sobre a relação do pensamento ocidental com o resto do mundo, e sobre aquilo a
que podemos chamar as ideologias da sociedade contemporânea.
Depois de “A euforia perpétua”, subintitulado “ensaios sobre o dever de ser feliz” (2000), e antes de “Le mariage d’amour a-t-il échoué?” (o casamento por amor fracassou?), cuja edição francesa está prevista para este ano, “O paradoxo do amor” (Publicações Europa-América) é mais uma espiral do autor em volta do tema da felicidade amorosa, desde que em 1977 publicou, em co-autoria com Alain Finkielkraut, “A nova desordem amorosa”.
Depois de “A euforia perpétua”, subintitulado “ensaios sobre o dever de ser feliz” (2000), e antes de “Le mariage d’amour a-t-il échoué?” (o casamento por amor fracassou?), cuja edição francesa está prevista para este ano, “O paradoxo do amor” (Publicações Europa-América) é mais uma espiral do autor em volta do tema da felicidade amorosa, desde que em 1977 publicou, em co-autoria com Alain Finkielkraut, “A nova desordem amorosa”.
Partindo da herança da geração de 60/70 (a sua), que criou (e praticou)
a ideologia da paz por via da libertação sexual, Bruckner analisa em “O
paradoxo amoroso” a sua consequência mais evidente: o dilema social
transferiu-se para o foro íntimo. O que era uma fractura exposta tornou-se uma
hemorragia interna. A sagração do erotismo (que gerou formulações carismáticas,
como e “economia libidinal” de Lyotard ou as “máquinas do desejo” de Deleuze e
Guattari) pacificou a sociedade, mas faz a guerra ao indivíduo:
“Grande reviravolta: o prazer deixa de ser suspeito e passa a ser
obrigatório, e todo o homem que se negue a ele possivelmente sofre de uma doença
grave. Um novo terrorismo do orgasmo substitui as antigas proibições.” Aqui,
Bruckner faz uma triangulação com o Marquês de Sade e a Igreja e sai-se com uma
síntese escandalosamente apaziguadora: “é o seu pessimismo, a sua forma turva
de confirmar o que a religião sempre afirmou, ou seja, que o sexo, longe de ser
imparcial, conduz directamente à crueldade.”
Não há nada de novo em interpretar a relação amorosa como uma guerra e
a dependência do casal como uma doença. O que Bruckner, autor do romance “Lua
de mal, lua de fel” afirma, ao coligir os sintomas da vida contemporânea,
acompanhados de velhos aforismos literários, é que “o velho mundo não morreu”: “o
amor continua a ser uma aldeia encantada de onde estão excluídos os velhos, os
feios, os disformes, os sem vinténs”. Mais: “o poder e a fortuna são factores
eróticos, o conto de fadas continua muito próximo da conta bancária, ama-se
sobretudo dentro da mesma classe social e do mesmo meio social e, se possível,
num meio superior ao seu”. O amor como instrumento de uma “evolução espiritual”
falhou.
“O que ganhámos com esta libertação? O direito a estarmos sós! E este não
é um pequeno passo, se nos lembrarmos que a igreja condenou, durante muito
tempo, a autarcia (bastar-se a si próprio, não ter necessidade de ninguém),
considerando-a uma prova de orgulho, e que o século XIX votava o celibato, com
o seu perfume a onanismo e mal-estar material, ao opróbio (…) subsiste a ideia
de que estamos perante uma conquista negativa, pelo simples facto de uma pessoa
não ser amada nem desejada por um outro.” Ou isso, ou o desejo de muitos: a
vida sexual contemporânea não se distingue pela monogamia nem pela poligamia,
mas pela monogamia em série. O amor enquanto histórias dos nossos ex-: “sentimos
por este acervo de homens e de mulheres, que nos foram queridos, que foram
amantes ardentes, que magoámos, que mal amámos, um enorme reconhecimento; eles
fizeram de nós o que nós somos, e um pouco da sua essência continua entranhada
na nossa carne”.
Outra distinção entre o antigo e o novo regime da vida amorosa: onde
antes havia códigos e valores, agora impera uma cartografia de pormenores: “um
pequeno senão pode virar-se contra nós ou então jogar a nosso favor, a idade, a
estatura, o aspecto, o vestuário, a voz. As tendências e as antipatias são mais
fortes quando submetidas ao arbitrário. Quem não viveu essas reviravoltas
instantâneas em que se passa do gostar ao não gostar só por causa de um
pormenor, de uma careta, de um jeito de rir?”
Nesta nova
economia, em que o negócio amoroso é mais liberal, os feios também participam,
e muito activamente. O preço é escutarem as confidências dos amantes, e dos
seus desgostos, abandonados que foram por quem era mais bonito. Ou talvez não! “Mais
intrigante do que a atracção clássica pela beleza é a atracção incompreensível
pelas criaturas vulgares”, ou invulgares: “Encontramos, por isso, na Internet
sites de apreciadores de obesos e de velhos de idade provecta, gerontófilos
inveterados que denunciam o seu apetite pelos corpos delibitados ou
envelhecidos. Extraordinária tendência que não deixa ninguém de fora!”
Pela mostra de citações, o leitor já terá notado que a confusão de
Bruckner não é menor do que a dos amantes. Bruckner escreve sobre tanta coisa...
O “dever de dar prazer” também pode ter correspondência em técnicas, ou estratégias,
de escrita. Pascal Bruckner, que faz parte de uma geração de intelectuais com
uma espantosa erudição, escreve de forma sedutora e colige informação… até
derrapar no senso comum e estatelar-se no não-importa-o-quê. Qual tolo que de
tanto escutar gente interessante, também ele se tornou interessante.
Há elegância na fluidez, no discorrer, as citações são abundantes e as
anedotas ilustrativas generosas, mas o discurso é circular, contraditório, e a
estrutura inexistente (apesar da aparente arrumação dos capítulos, e alíneas, e subtemas em caixa).
A sua capacidade de análise (ou pelo menos de sugerir leituras e
sentidos) é semelhante a alguém que observa os estilhaços de um vidro partido e
em todos vê reflexos da realidade. Tudo acaba por ficar resumido a
generalidades, à falta de rigor, ao acaso, à confusão. A uma graciosa conversa
de “bistrot”.
Nota sobre o tradutor Duarte da Costa Cabral: provavelmente até faria boa figura, não se desse
o caso de o trabalho de revisão ter sido esquecido.
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