sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

culinária recreativa

Fardada a preceito, com um higiénico lenço atado à cabeça e um avental feito à medida pela avó Celeste, a chefe de cozinha criativa Joana João Silvestre tem vindo a estabelecer um repertório de receitas cuja maior audácia reside numa interpretação lata, porventura indigesta, do regime alimentar dos omnívoros, assim como do célebre adágio popular que manda aprender a comer de tudo um pouco. Patrocinadora desta actividade gastronómica, deve-se à avó Celeste o reconhecimento pela descoberta de semelhante mister. Por ocasião do segundo aniversário da neta, ofereceu-lhe um kit de cozinha, incluindo fogão, lava-loiça, frigorífico, um trem de panelas e serviço de mesa. Já em época natalícia completou o equipamento com um armário para arrumar os utensílios, uma torradeira (com pão às fatias incluído), um prático microondas, um grelhador e um cabaz de víveres em plástico, que a chefe de cozinha não hesita em complementar com os mais diversos e imprevistos ingredientes. Passamos ao menu. Nas entradas: tostas de queijo com frutos cristalizados, amendoins em casca de amêndoas, meloa com broa, pimentos com coentros e sangria de melancia (sem álcool). Nas sopas: peixe em calda de tremoços, sopa de bife com azeitonas, sopa de massinhas com tromba de elefante e rodelas de cenoura, creme de algas com moscas-bebé. Nos pratos principais: puré de batata com lagostas e salsichas, frango com casca de cebola e ananases, leão enrolado em folhas de couve, lulas recheadas com cabeças de macaco, omelete de chiclete, medula de ossos partidos, pernas de barbie grelhadas com cogumelos frescos, caldeirada de urso felpudo com bananas e cuecas com padrões de bonecos. Nas sobremesas: cordões de sapatos embebidos em mel, goela de crocodilo recheada de ervilhas polvilhadas com açúcar, palmilhas achiclatadas, grão de bico com leite condensado, pêra com cera, gelatina com chuva de fios de cabelo e neve de côco, lagartixas caramelizadas, iogurte com hortelã, cascas de maçã assadas no forno com mãozinha de boneca agarrada a pau de canela, sorvete de lápis de cera espetados em bolinhas de algodão, shampôo batido em castelo com pão ralado e passas de uva, bolo de bolacha barrado com plasticina, bolo de massa de gesso, folhado de papel com mel, coquetail de frutos silvestres com pedrinhas e conchinhas, espuma de barbear com compota. Convidado a comentar as iguarias da chefe de cozinha, o provador oficioso e exclusivo Farrusco III, de cuja boca pende uma elástica e gulosa saliva, recolhe a língua e responde “bô”. Sim, estava tudo muito bom.

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