sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
a pílula
Por ocasião do seu aniversário, em que celebrou 18 anos bem feitinhos, Joana Silvestre reivindicou junto da alteridade paternal o direito a tomar a pílula. Após beberem um copo de água (sem efeito), os pais serviram-se do remédio mais alcoólico que encontraram na garrafeira e retiraram-se para a varanda. Conciliaram, dirigiram-se ao escriptorio de Mestre Vaquinhas, concertaram no texto a redigir e entregaram à interessada o decreto, devidamente assinado e carimbado: direito concedido. Joana Silvestre não ficou satisfeita. Era uma ofensa para o seu estatuto de cidadã maior de idade receber permissão para exercer um direito que lhe era reconhecido por lei. Do que ela precisava era do financiamento para instalar um chip-pílula. Não podia arriscar um dia de esquecimento, tão pouco estava disposta a apoquentar-se com mais uma responsabilidade diária. O chip-pílula é introduzido na camada subcutânea do antebraço e já está, oferece garantia por três anos. Os pais voltaram a reunir-se e regressaram à cozinha com duas contrapropostas. Vera São Roque ofereceu-lhe a sua colecção de preservativos com sabor frutado e um lubrificante. Roberto de Deus Silvestre, por seu lado, presenteou-a com um manual técnico de sexo tântrico, com uma nota introdutória da sua autoria acerca da interrupção do coito, truques para evitar ejaculações e agir de forma célere, acrescentando ao generoso cabaz anticoncepcional uma medalha de ouro com a efígie da virgem, para dar sorte. Joana Silvestre foi aos arames. Levantou-se da cadeira da oposição, acusou o governo doméstico de manobras de diversão e ameaçou terminar a fase de tréguas, passando ao acto sem mais aquela. Jaime Roque, que tinha passado a sessão de debate a reflectir sobre a melhor estratégia para retirar dividendos de um eventual precedente relativo à fazenda doméstica, gritou apoiado e coligou-se com a irmã. Também ele pretendia um chip, apesar de não estar certo da sua existência no mercado. Advogava o princípio de paridade: no seu aniversário pretendia um chip com a enciclopédia britânica e um dicionário de mandarim, de preferência acoplado no pénis para alargar o tamanho e torná-lo mais competitivo. Vera São Roque, num acesso de espontaneidade, precipitou-se com um “vão trabalhar malandros”. Mais sensível ao espírito de independência dos filhos, que compreensivelmente preferiam a dependência de subsídios a fundo perdido a terem de subjugar-se à exploração do mercado de trabalho, Roberto de Deus Silvestre desencantou do bolso traseiro das calças uma nota de cinco euros e mandou-os comprar gelados.
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