sábado, 26 de fevereiro de 2011
nua descendo a rua
Embora não seja apreciadora de cinema gostei muito de ver um filme iraniano que se passava integralmente no interior dum carro. A minha ideia, quando fui para Teerão, era concentrar-me nos hábitos das pessoas que viajam dentro de veículos privados. As mulheres iranianas podem ser particularmente agressivas ao volante e diga-se de passagem que alguns homens faziam por merecer esse comportamento. Em geral, no entanto, eram muito cordiais (dispenso-me de comentar os hábitos de condução) e não me foi difícil andar à boleia, embora tenha optado preferencialmente por alugar um carro e depois contratar um condutor, que me servia de modelo. Entretanto conheci uma rapariga que era estudante. A sua maior ambição era ser manequim. O corpo dela correspondia ao padrão ocidental da moda, era muito delgada, mas no Irão, dada a morfologia feminina e as limitações impostas no modo de vestir, dá-se preferência às mulheres com um rosto forte e de corpo avantajado, ou pelo menos de peito e ancas bem femininas. A Nazanin tinha um rosto miúdo e era muito elegante no seu estilo andrógino, mas sob aquela roupa que se via obrigada a usar, de tão alta que era, parecia um espeto de pau, como se usa dizer entre a geração dos nossos avós. Como todos as estudantes que conheci, a Nazanin vivia obcecada pelo ocidente, mas era demasiado sofisticada para o gosto comum iraniano. Durante a semana em que trabalhou comigo só falava em actos de rebeldia, julgava que no ocidente as pessoas eram mais audazes e confundia os hábitos de moda praticados em Londres, em Paris ou em Tóquio com gestos provocadores. Ela estava farta do lenço colorido, dos truques usados para atrair, achava que era uma maneira hipócrita das mulheres se submeterem ao desejo dos homens que as impediam de vestir-se livremente. Até a roupa das suas colegas modernas a irritava, aquilo que podia ser muito original em Teerão ela sabia que não passava de uma má cópia de modelos ultrapassados. “O mundo civilizado está a mudar, percebeu-se que não é a roupa que importa porque o corpo é que deve fazer a roupa. O que tem vindo a acontecer com o nosso povo e só vem provar que o Corão a esse respeito está correcto. A vergonha está na cabeça, por isso a tapamos.” Disse-me isto e depois perguntou-me: “Tu salvas-me?” Então parou o carro, sem desligar o motor despiu-se toda, voltou a pôr o lenço preto na cabeça e saiu para a rua. Só tive tempo de tirar esta fotografia. Passei para o lado do condutor e saí dali. A única coisa que eu podia salvar era a imagem dela, quanto a isso não acredito que ela fosse ingénua.
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