domingo, 27 de fevereiro de 2011

o guia

“A diferença entre um turista e um jornalista é que o turista paga-me para de ver as maravilhas, enquanto o jornalista paga na condição de ver as desgraças”. Esta anedota foi-me contada por um guia de Bagdad que ficou cego na sequência dum bombardeamento. Perguntei-lhe se tinha acontecido durante ou depois da guerra e ele limitou-se a dirigir os olhos na minha direcção. Apercebi-me da estupidez que tinha acabado de dizer e tentei justificar-me, especificando se tinha sido o exército “invasor” ou as “forças de resistência”. Não fui mais feliz com esta adaptação à terminologia que julgava ser a dele. Com uma vara que tinha na mão, desenhou um círculo no chão à volta do meu saco, onde tinha as câmaras e as lentes, e disse para me pôr lá dentro. “Agora és a força de resistência”. Depois empurrou-me para fora do círculo e pôs-se ele lá dentro. “Queres voltar para aqui?” Aceitei o jogo e disse-lhe que sim. “Então pede-me”. Eu pedi. “Não deixo”. Pedi-lhe para me devolver o saco. “Não, agora o saco pertence ao lugar, se queres o saco tens de tirar-me aqui de dentro.” Empurrei-o e tentei pegar no saco: “Agora sou a invasora e tu és a força de resistência”, disse-lhe. “Não. Tu agora mandas nisto e eu sou quem tu quiseres porque não posso tirar fotografias.” “Se é esse o papel que me atribuis então quero que te ponhas no meu lugar, de quem vê, mas não percebe o que faz.” Ele achou piada à ideia, mas disse-me que primeiro tinha de lhe dar alguns dias para pensar. Voltei uma semana depois e encontrei-o sentado no mesmo lugar, como se já soubesse que eu viria naquele dia. “Já sei o retrato que quero tirar, mas não sei se vais aceitar. Pareces uma rapariga bonita e quero fotografar-te nua”. Aceitei a proposta e levei-o para o meu quarto de hotel. Comecei a despir-me à frente dele e divertiu-me a situação, ficar nua para alguém que não podia ver-me. Ele sentou-se à beira da cama, com a máquina digital em cima das pernas. Parecia observar-me atentamente. Quando acabei de despir-me, peguei na outra máquina e fotografei-o (reparem como tem os olhos arregalados na minha direcção). Ele carregou também no botão. “Cheiras bem”, disse-me, quando me aproximei para ver a imagem no ecrã. Mal se via o tapete e uma ponta do sapato. “Está escura, não se vê quase nada”, disse-lhe, “queres tirar outra?” Ele levantou-se, pôs a mão no meu ombro e respondeu-me que não valia a pena. Enquanto esperava por mim, manteve-se em silêncio, de olhos na postos minha direcção. Finalmente perguntou-me por que é que tirava fotografias (“why take pictures?”) e acrescentou uma frase que prefiro não traduzir: “The more you want to show the less you give to see”

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