sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

o muro ou a baliza

Durante semanas viajei ao longo do muro, quer do lado da fronteira palestiniana, quer do lado da fronteira israelita. O muro tem 80km, para atravessar os dois lados tinha de fazer 160km (estou a fazer uma contabilidade geométrica, o percurso real foi quase o dobro). Havia uma população do lado palestiniano que ficava nas imediações do muro e os miúdos iam para lá jogar à bola, num descampado. Achei piada e deixei-me ficar a observá-los, nem sequer tirei fotografias. Um dos miúdos que não estava a jogar meteu conversa comigo e acabei por instalar-me no quarto de uma casinha que pertencia ao tio dele. Eles iam todos os dias jogar e eu passava uma boa parte do tempo a observá-los. Esse miúdo que eu conheci (chamavam-lhe Ba’ Ali) era muito pequenito, coxeava de uma perna e os outros rapazes só o deixavam jogar à baliza. Só que ele não queria ficar na baliza. A bola dos miúdos era de borracha e como havia por ali muitas pedras já se tinha rompido por mais de uma vez, estava remendada. Houve um dia em que tive de voltar a Israel para fazer alguns contactos e ir às compras. Passei por uma loja de artigos desportivos e lembrei-me de comprar uma bola oficial, daquelas com carimbo da Fifa e marca registada. Como sabia da frustração do Ba’Ali não jogar, ao regressar ofereci-lhe a bola a ele. Mas os outros miúdos não se deixaram corromper. Então o Ba’Ali ficou sozinho a chutar contra o muro, enquanto os outros miúdos continuaram a jogar com a bola de borracha. Durante dois dias repetiu-se a cena, os miúdos com uma bola remendada e o Ba’Ali sozinho, com a sua bola novinha em folha, a jogar uma espécie de futebol-squash. Até que, a meio de mais um jogo, houve um miúdo que mandou uma biqueirada, a bola subiu, subiu e foi parar a Israel. O Ba’Ali, como se não fosse nada com ele, continuou a chutar a bola contra o muro. Os outros começaram a aproximar-se dele e um deles, o mais alto de todos, pediu-lhe a bola emprestada. O Ba’Ali pegou na bola, pô-la de baixo do braço e avisou logo que não ia para a baliza. O outro disse-lhe que ele era coxo, só podia jogar à baliza. Então o Ba’Ali voltou a pôr a bola no chão e a chutá-la contra a parede. Os outros miúdos desandaram e uma hora depois voltaram com uma corda enorme, a que ataram um pedaço de ferro dobrado em forma de u. Durante o resto da tarde entretiveram-se a tentar prender aquela espécie de gancho à extremidade do muro. Preferiram arriscar dar um salto para o outro lado da fronteira, onde a admitir o Ba’Ali na equipa deles. Tirei a fotografia no momento em que um dos miúdos subia pela corda os oito metros do muro. Este pé em grande plano, a pisar a bola, é o da perna coxa do Ba’Ali.

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