quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

a greve

Entreposto das nove províncias chinesas, Wuhan é a capital da província de Hubei, que fica no centro do país. Lugar de confluência do Yangtze (o terceiro maior rio do mundo) com o Han, sob o nome de Wuhan congregam-se nas margens dos dois rios três cidades: Hankou, Hanyang e Wuchang. A sua localização geográfica transformou a cidade num centro estratégico de comércio, finança, indústria, investigação tecnológica e ensino (sendo nestas duas últimas áreas apenas ultrapassada por Xangai e Pequim). O progressivo desenvolvimento da cidade, que é uma das mais bem equipadas na área das telecomunicações, provocou uma crescente consciência social, em resultado da sua competitividade e do alarmante aumento do desemprego. A actualização tecnológica em diversos sectores industriais não se fez sem custos: a requalificação técnica implicou o sacrifício de milhares de postos de trabalho. A emergência de uma classe média bem informada, que não ignora a chantagem política em que assenta o seu modo de vida (baseado num modelo colectivista que reforça a influência externa do país no mercado internacional, mas sem as contrapartidas sociais e económicas para os cidadãos, que deveriam recompensar os índices de competitividade a que estão comprometidos), acabou por gerar uma gigantesca manifestação junto às margens do Yangtze. O povo chinês é extraordinariamente trabalhador e disciplinado, mas numa cidade tão moderna como Wuhan torna-se complicada a adaptação a novos empregos, produto das exigências de especialização. Sem uma estratégia governativa coerente, instalou-se o desespero. O milhão de pessoas que se juntou nas ruas aos operários desempregados constituiu uma onda de solidariedade inédita e acabou por redundar num dia de greve geral na cidade, que viu interrompidas as vias de comunicação por ar, terra e água. Nesse dia, a cidade parou, no dia seguinte foi como se nada tivesse acontecido. Sete milhões de habitantes testemunharam o mesmo que eu, mas no dia seguinte não encontrei uma só pessoa que soubesse falar inglês comigo. A fotografia não é explícita: uma multidão compacta avança por uma rua paralela ao rio, no sentido contrário ao da corrente, e entre o manto compacto das roupas, apenas as cabeças emergem à superfície. Os rostos estão de boca aberta (a entoarem cânticos) e apontam na mesma direcção, mas não há braços erguidos, nem cartazes, nem qualquer informação gráfica que possa comprovar tratar-se duma greve. A fotografia foi tirada pela manhã, em contraluz, e depois da revelação escureci os rostos até ficarem apenas silhuetas. As águas do rio que contornam as cabeças dos grevistas mantém-se no entanto cintilantes.

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